terça-feira, 21 de setembro de 2010

Percepção

Uma viagem a campo chegava ao seu fim. Tínhamos completado mais um pacote de registros da rotina sutil, silenciosa que as plantas seguem. À tardinha, as meninas foram pro alojamento. Ainda pegariam estrada. Eu não. Passaria mais uma noite nas grimpas da serra.

Fiquei por lá, entregue aos pensamentos, no alto daquela imensidão adimensional de montanhas. Lá de onde se podem ver os campos caírem no abismo do horizonte, em qualquer direção que se olhe. Lá eu me sinto mais longe de tudo e mais perto de mim, imerso numa solidão gostosa. A brisa constante e macia trazia um leve cheiro de chuva. De repente uma mensagem no celular me puxou de volta ao mundo dos homens, num fugaz instante de sinal, quiçá trazido por uma rajada mais forte de vento. O que você vai fazer à noite? Afinal, era sábado. Vou cozinhar um jantar e dormir com os grilos, respondi.

Encerrava mais um ciclo na rotina das plantas. Fiquei pensando nas eriocauláceas, com quem tinha passado todo o dia, e abandonava agora numa despedida quase inconsciente. Sua lógica intrínseca prestes a ser descrita, padronizada, sistematizada. Para elas nada disso existe. Só elas existem. Elas só existem.

O fim do dia me surpreendeu com um insólito pôr do sol, deslumbrantemente diferente de todos os outros que eu vira ali. No horizonte, ao norte, uma tempestade pronunciava seus raios furiosos, em desacordo com a imensa nuvem de que brotavam, alegremente colorida de laranja pelo sol que se despedia. Retribuí a despedida, emocionado pelo espetáculo, com uma fotografia.